des-voo

na haste da rosa seca

paira indecisa


uma borboleta

roça


terra-plana-gem-pasta-gem-cobrindo-semen
-te

arakhne-fobia


a aranha arranha o mito
perfila o rito
fiandeira: traça o fio: trança a trama
tecendo a teia em hábil façanha
e, arguta, espreita a presa
no silêncio oculto do aranheiro:
quelíceras em guarda
acúleos em prontidão
octolhos de sentinela...

aranhofício, não erra o salto:
aranhenta aracnóide a aranhar
cotidianamente
no araneífero aranhol

aranhoso araneiforme
de asqueroso sentimento:
será venenoso ou peçonhento?
pré-conceituo:
em seus palpos
jamais estarei!

AVIS RARA1


Foi num sopro de beleza
desses em que a natureza
onde tudo se transforma, transformou
as mãos em asas ao vento
num estalo entre o espaço e o tempo
onde nada se cria, se criou.

Archeopterix2: arquétipo das aves de arribação
cegonha entregando pelo bico
o elo de uma nova geração
Íbis, o mito de Ícaro
Fênix, símbolo alado
das cinzas ao céu, vôo encantado.

Presente na história do passado
na Era dos lagartos dominantes
e nos ares nunca dantes conquistado
mas um meteoro num encontro fulminante
transformou-o na Terra, à revelia
paleo ser da ontologia3.


1. Avis rara: (expressão latina) aquele(a) que visita raramente.
2. Archeopterix: ave fóssil, do período Jurássico, com características reptilianas e três dedos providos de garras.
3. Ontologia: parte da filosofia que se ocupa do ser (“prova existencial”).
o
gavião
desafia
o
ar
e
habita
o
topo
da
cadeia
alimentar

nenhum lugar


as laranjeiras
floresceram

extemporâneas


e perderam
a doçura

no abandono
de abelhas reticentes.



nenhum lugar
é aqui
:
o tempo inverteu
as estações

e se desfez
na aridez
dos pomares sem futuro.

mimetismo

“Existe uma maneira de viver que seja nobre e
outra que seja baixa, ou todas as maneiras
de viver são simplesmente inúteis? “

Bertrand Russell



1. Genesis

Nascemos sob os olhos da morte
e, envolvidos por essa soturna visão
crescemos, pragmáticos.
Por sorte (ou por obra do acaso)
ainda sob esses mesmos olhares
envelhecemos, atávicos
esperando que tudo não passe de um sonho
e que o tempo seja mesmo relativo.
Nesse ínterim
nos tornamos infiéis à realidade e
sofismáticos, vivemos
repletos de ideais pré-concebidos
com os olhos longe do presente.


2. Procripsis geral

Mantendo as crenças no paraíso
santificamos os dias
vestidos de ilusões e merecimentos.

Egocêntricos e inaptos ao mundo
criamos um deus
à nossa imagem e semelhança
na esperança da felicidade eterna.

Fiéis à abstração
e ávidos de posse
juramos compaixão
e buscamos a espiritualidade
mas esquecemos da própria espécie no caminho
e da razão de caminhar.

De óculos escuros afastamos o sol
e acendemos velas.


3. Procripsis especial

Paradoxalmente à metafísica anunciada
plastificamos os vestígios
camuflando nossa imagem ao espelho
no contrito e narcísico ato diário
da rainha má
e traímos o tempo:
com a boa fé na ciência
burlamos homeopaticamente
a falência dos sistemas
até quando o mecanismo
não absorver mais reparos
ou a natureza descobrir o disfarce.

draculiforme


bat as asas e alça vôo
na noturna metade do dia:
sonares ligados:

frugí-vora
insetí-vora
nectarí-vora
caç-a-
dor

e vampiriza à sombra da lua:
rato-velho acastelado
sangue-suga
estigma do mal
mi(s)tificador, morcega a tradição:

alho
água-benta
crucifixo
estaca e martelo

(só pra prevenir!)

noite selvagem

a noite se inicia
com o alarido das revoadas
anoitece:
o sono hibernante das cavernas
as tocas que se povoam
os ninhos que se amontoam
o esconde-esconde na mata

a algazarra no brejo:
cricrilos e gorjeios
o apito da jornada dos rapinantes
gritos esvoaçantes
silvos deslizantes
uivos temerários

a tocaia armada
entre os encontros copulares
à luz das estrelas
pisca-piscas reluzentes
luares comprometedores

e a caça se inicia:
nenhum desejo assassino
mantém o predador
à presa
apenas um presságio do perigo

de leste a oeste
de sul a norte
a vida se refaz no encontro
especial
no espaço entre a fuga
e a morte

cascavel



entremeando o ambiente
árido
arrasta-se sem pecado
a cascavel
                     sibila
                     chocalha
avisa a vítima (a presa)
do perigo
mesmo assim a surpreende
em mortal destreza

dia da árvore

o homem mata
quando desmata
a mata.

mas se mata a mata
quando desmata
por que continua desmatando a mata
se sabe que a mata?

e até quando irá matar
desmatando
se a mata morta
irá matá-lo
por não haver mais mata
a desmatar?

fish




Rá, o deus Sol egípcio, com uma máscara na cara,
cruzando o Tietê em seu barco,
remando desesperadamente entre dejetos,
espumas e garrafas plásticas...
(nem o Salvador (Dali) imaginou
tamanha surrealidade).

trama alimentar


a semente germina
magicamente
resgata do chão
a vida decomposta
e se posta altiva
auto produtiva
numa verde plantação
mas suas espigas arranca
com incisivos cortantes
um roedor incauto
saciando o desejo
da fome constante
sem perceber
que à dois metros distante
um ofídio espreita
a cumprir seu ofício
de carnívoro voraz
mas rastejando de volta
farto e satisfeito
não observa do alto
em asas montado
rapinante predador
que retornando ao ninho
com a presa nas garras
devolverá à terra
em seu devido tempo
o elemento preciso
à um outro vegetal.

dia do biólogo


um projeto nas mãos
e os pés na estrada
sobrepondo as pedras do caminho
ultrapassando fronteiras
recriando esperanças
guardando nos limites a tolerância

botas, sacolas, puçás
caderno, cantil, gravador
seca e chuva, frio e calor
termômetro medindo a ansiedade

a noite na mata
a pressa pela procura da presa:
o “predador” ecológico
preservando a caça
a raça de quem acredita na razão
a perfeição darwinianamente traçada

a casa em relações (des)harmônicas
num interrelacionamento trófico
vibra, pulsa, interage

bichos, ritos, nichos
flores, cores, odores
sons que surgem
sons que emudecem
a vida que brota e fenece
ciclicamente no meio do ambiente:
ecos de pura logia!

mirmex
















formica fornica formiga
trabalha trabalha trabalha
carrega o fardo do dia
estoca o peso do fardo
zela o custo do peso
protege a vida: vigia
dia e noite dia-a-dia

não canta não planta não casa
cava a terra a casa cava:
galerias/formigueiro:
anárquica aparência
sociedade socialista
monarquia absoluta

branca preta miúda
vermelha grande saúva
sobre o chão
sobre a pedra
sobre a árvore:
sobrevive sobreguarda interage

formicário formigueiro
formiga o mundo inteiro
terror de picnic’s
ladrão de açucareiro

prevendo desastres

Os animais podem prever desastres, pois têm mais sensibilidade auditiva e de percepção de pressão. No caso de um terremoto ou de um maremoto, por exemplo, os animais conseguem sentir a pressão diferente do habitual, e são capazes de captar os sinais eletromagnéticos que as rochas produzem ao se romperem. Outro fator que deixa os animais à frente dos seres humanos na previsão de desastres é sua audição. Os seres humanos captam ondas sonoras entre 1 mil e 4 mil ciclos por segundo (cps). Os homens não são capazes de escutar nada acima de 20 mil CPS. Cães e gatos, no entanto, são capazes de ouvir até 60 mil CPS, enquanto ratos, golfinhos e baleias chegam a 100 mil.
Fonte: http://guiadoscuriosos.ig.com.br/

o curupira


o curupira

tem os pés de viés:
anda para frente
olhando para trás

vigia a mata
preserva a caça
caminha sobre metáforas
Assim como o boitatá, o curupira também é um protetor das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.

caracol


ao sol se torna
brilhante
o rastro de gosma (a pista)
ao qual
lento
arfante
desliza o caracol
ao caminhar
denunciando a fuga
esperando o encontro

(des)inventar o mundo


o suco das figueiras
se desfaz em engodo
:
o visgo (o logro)
obstando
o vôo

(o dia perpassa a sombra...)



que ares mover-se
quando o dia inventa o breu
e o vento não impulsiona as asas?

(a sombra perpassa o dia...)

gaiolas recheadas de penas
enfeitam paredes/tapumes
: anti-acústica dos pios
na angústia do canto



que tempo inventar
quando o mundo se move
na contramão do encanto?

que encanto criar
quando o tempo se queda
num mundo desinventado?


(sombra perpassa... sombra)



não basta arrebatar

das figueiras: a seiva


das gaiolas: as grades


das mãos: os dedos



é preciso recriar

a flor da paisagem
a cor da liberdade
o amor em nova mensagem



e enclausurar

o covarde.

bico-de-agulha

de manhã bem cedinho
o bico-de-agulha*
cerzi o ninho

(é época de reprodução)

costura com lisura
com ciência e devoção

(sapiência ou instinto de preservação?)

(*)bico-de-agulha - (Galbula ruficauda (Cuvier, 1816))
Cor verde brilhante, com garganta branca nos machos e castanho-clara nas fêmeas. Mede aproximadamente 22 cm. Habita florestas, mas pode ocorrer também na beira de rios e brejos.

o ser & o não ser

somos o que não somos
o que não queríamos perdido:
o barro & a costela
a maçã & o éden
o sonho decantado & a realidade purificada
o passado que não invalida & o presente contínuo
a saudade eterna do minuto
& o minuto que se perdeu na soma do tempo
o mutante do século final
o cavaleiro andante
o poliglota da paz mundial
o amigo que não pode faltar
o perfeito espírito em galope nos campos do ilimitado.