nenhum lugar


as laranjeiras
floresceram

extemporâneas


e perderam
a doçura

no abandono
de abelhas reticentes.



nenhum lugar
é aqui
:
o tempo inverteu
as estações

e se desfez
na aridez
dos pomares sem futuro.

mimetismo

“Existe uma maneira de viver que seja nobre e
outra que seja baixa, ou todas as maneiras
de viver são simplesmente inúteis? “

Bertrand Russell



1. Genesis

Nascemos sob os olhos da morte
e, envolvidos por essa soturna visão
crescemos, pragmáticos.
Por sorte (ou por obra do acaso)
ainda sob esses mesmos olhares
envelhecemos, atávicos
esperando que tudo não passe de um sonho
e que o tempo seja mesmo relativo.
Nesse ínterim
nos tornamos infiéis à realidade e
sofismáticos, vivemos
repletos de ideais pré-concebidos
com os olhos longe do presente.


2. Procripsis geral

Mantendo as crenças no paraíso
santificamos os dias
vestidos de ilusões e merecimentos.

Egocêntricos e inaptos ao mundo
criamos um deus
à nossa imagem e semelhança
na esperança da felicidade eterna.

Fiéis à abstração
e ávidos de posse
juramos compaixão
e buscamos a espiritualidade
mas esquecemos da própria espécie no caminho
e da razão de caminhar.

De óculos escuros afastamos o sol
e acendemos velas.


3. Procripsis especial

Paradoxalmente à metafísica anunciada
plastificamos os vestígios
camuflando nossa imagem ao espelho
no contrito e narcísico ato diário
da rainha má
e traímos o tempo:
com a boa fé na ciência
burlamos homeopaticamente
a falência dos sistemas
até quando o mecanismo
não absorver mais reparos
ou a natureza descobrir o disfarce.

draculiforme


bat as asas e alça vôo
na noturna metade do dia:
sonares ligados:

frugí-vora
insetí-vora
nectarí-vora
caç-a-
dor

e vampiriza à sombra da lua:
rato-velho acastelado
sangue-suga
estigma do mal
mi(s)tificador, morcega a tradição:

alho
água-benta
crucifixo
estaca e martelo

(só pra prevenir!)

noite selvagem

a noite se inicia
com o alarido das revoadas
anoitece:
o sono hibernante das cavernas
as tocas que se povoam
os ninhos que se amontoam
o esconde-esconde na mata

a algazarra no brejo:
cricrilos e gorjeios
o apito da jornada dos rapinantes
gritos esvoaçantes
silvos deslizantes
uivos temerários

a tocaia armada
entre os encontros copulares
à luz das estrelas
pisca-piscas reluzentes
luares comprometedores

e a caça se inicia:
nenhum desejo assassino
mantém o predador
à presa
apenas um presságio do perigo

de leste a oeste
de sul a norte
a vida se refaz no encontro
especial
no espaço entre a fuga
e a morte